Força Fígado
Distribui energia, atende emergências, cuida do lixo, se regenera, faz mil coisas ao mesmo tempo e não reclama do serviço.
Saúde, em seguida a esse voto, o organismo é brindado com goles de um rico combustível misturado a um requintado veneno. Seja uma esportiva cerveja ou um doméstico licor da vovó, toda bebida alcoólica tem essas qualidades paradoxais. O bem só se separa do mal quando o álcool, junto com nutrientes absorvidos durante a digestão, escorrega no sangue, sendo sugado por uma esponja vermelha e escura, no lado direito do abdome. É ali, no fígado, a maior glândula do organismo com seus 8 a 10 centímetros de largura, que parte da bebida é queimada e transformada em energia, enquanto as sobras tóxicas são trituradas e eliminadas feito lixo. E isso é apenas o começo da conversa quando o assunto é fígado, um personagem muito comentado nas bocas que apreciam um trago, embora poucos saibam ao certo qual é seu papel na história.
É com certeza, um papel de primeira grandeza. Literalmente insubstituível, o fígado está no centro do espetáculo de uma série de processos, tanto que sem o órgão, retirado em uma cirurgia ou danificado por doença, não se sobrevive em média por cinco horas, para a agonia de cirurgiões que fazem transplantes, uma atividade de ponta na Medicina Moderna. Toda esta importância costuma ser ignorada e as pessoas, muitas vezes, cometem a ingratidão de retribuir a trabalho do órgão com críticas por eventos pelos quais nem sequer é responsável, como dor nas partes superior do abdome ou ressaca. Os próprios cientistas, embora não pervertem tais disparadas, admitem com candura que ainda têm muito a aprender a respeito dessa nobre víscera.
Já a fama e a glória vão habitualmente para os coadjuvantes: os rins, por exemplo, são consagrados por limparem o sangue, excretando uma substância chamada de uréia que leva embora uma série de moléculas nocivas. A uréia, na realidade, é fabricada pelo fígado, que também produz diariamente 100 gramas de proteínas, 90% do que o ser humano necessita para sobreviver. O fígado, ainda destrói os micróbios que eventualmente driblaram as células de defesa no intestino, possibilitando a absorção de certas substâncias; armazena substâncias; elimina glóbulos vermelhos envelhecidos; e –ufa, manda energia para todo o corpo. No feto, estoca nutrientes para o começo da vida.
Com aproximadamente 2 quilos que se acomodariam na palme de uma das mãos, sem forma muita definida, pois e deixa achatar ao mero contato com os vizinhos, como o rim direito, estômago, o fígado pode ser comparado a uma alfândega. Suas células, especialmente as que recobrem os vasos, agem efetivamente com fiscais aduaneiros: revistam a bagagem do sangue, para separar o que merece e o que não merece ter livre trânsito no organismo. Mas, mesmo que o álcool tenha recebido visto de entrada no organismo, nem sempre suas partículas devem se transformar em energia, algo que, às vezes, o organismo tem de sobra.
Neste caso, o fígado aproveita as partículas de álcool para construir redondas moléculas gordurosas, como uma espécie de previsão para eventuais períodos de jejum. Essa reserva para tempos de vacas magras fica estocada em depósitos situados, por exemplo, na altura da cintura, fenômeno que alguns freqüentadores de bar eventualmente observam no espelho. O processo pode durar até mais de 24 horas, pois, o álcool é metabolizado um pouco de cada vez, à medida que o sangue que o sangue atravessa o fígado, à velocidade de cerca de 2 litros por minuto. È bem verdade que um pouco de álcool que ficou para a próxima rodada, circulando pelo corpo até alcançar novamente a glândula, acaba sendo queimado em outras regiões.
Ainda quando isso ocorre, porém, o fígado não fica fora da operação. Afinal, é quem envia às células o combustível especial do foguete bioquímico. A entrega é feita ao gosto do consumidor, do modo que as células do organismo aceitam, ou seja, sob a forma de glicose, um açúcar solúvel em forma de água, que o fígado fabrica a partir de ingredientes diversos, como os carboidratos do macarrão, os glucídios do chocolate, a lactose do leite. No entanto, se esse trabalho se complica, ou porque a quantidade de bebida é grande ou porque o bebedor está se alimentando pouco, o fígado tenta contornar o problema, orientado pelos hormônios da glândula pancreática que regular os níveis de açúcar no sangue.
Assim, as insolúveis moléculas de glicogênio guardadas nas suas células são convertidas em glicose, como se os hormônios pancreáticos retirassem um alimento da geladeira para o consumo imediato. De fato, as células que formam o fígado armazenam uma série de substâncias para os casos de necessidades. Esse hábito preventivo se manifesta ainda no feto, quando a glândula começa a estocar, aproximadamente após o terceiro mês de gestação, algumas substâncias de que poderá precisar nos primeiros dias de vida, por não estarem presentes, ao menos em quantidade suficiente, no leite materno.
Eventualmente usado para metabolizar doses extras de bebida, o estoque de açúcar no fígado não duro muito, assegurando combustível apenas por um dia. O fígado, porém, ao pode deixar faltar energia ali onde é essencial, no coração e no cérebro, peças vitais na maquina humana.Por isso, para manter o organismo vivo, a vícera faz qualquer negócio: o recurso mais rápido é roubar proteínas dos músculos, desmontando suas moléculas, cujos componentes, carbono, oxigênio e hidrogênio, serão recombinados de acordo com a fórmula da glicose (C6H12O6).
Esse processo de auto-canibalismo ocorre também, quando se faz um regime drástico, sendo uma das causas de fraqueza que o acompanha.Outro recurso utilizado pelo fígado, quando o alarme dos hormônios pancreáticos denuncia a carência de glicose, é mobilizar gordura para fazer com suas moléculas algo semelhante ao que fez com as proteínas musculares. O mecanismo, aliás, é intuitivamente conhecido pelos cozinheiros desde a Idade Média, quando aparece na França o hábito de servir álcool aos gansos a fim de que seu fígado, amaciado pela gordura mobilizada, fique no ponto ideal para a elaboração do patê de foie grãs (fígado gordo).
Uma receita ainda mais antiga mandava o caminho inverso: encher a ave de comida e, de preferência, imobiliza-la para que a sobrecarga de energia crie depósitos gordurosos nas células hepáticos.Essa filtração de gordura facilita o aparecimento de diversas doenças. A ponte entre a Biologia e a gastronomia é sólida e duradoura: afinal a palavra fígado deriva do Latim ficatum, derivado por sua vez do grego fykotón, nutrido com figos, numa alusão às aves a que se dava esse fruto, para conferir um sabor especial ás pastas feitas com seu fígado.
Os romanos podiam entender de boa mesa, mas não eram propriamente doutores em fisiologia do aparelho digestivo. E o fígado permaneceu quase um ilustre desconhecido ao longo dos séculos. Apenas nos anos 60, por exemplo, descobriu-se que os milimétricos cilindros, os lóbulos, formados pelas células do fígado em torno dos vasos sanguíneos são as unidades independentes, ou seja; em caso de doença podem ser extraídos cirurgicamente, sem prejuízos dos lóbulos vizinhos.Até então, o desconhecimento dessa realidade representava um pesadelo para os médicos: freqüentemente os cortes provocavam hemorragias fatais aos pacientes.
Continuam nebulosos, porém, as razões pelas quais na história da vida na Terra o fígado surge apenas nos vertebrados, há cerca de 400 milhões de anos; a vícera é parecida em todos os espécimes, a do porco, porém, é mais semelhante ao fígado humano. Antes dos vertebrados, os seres vivos tinham grupos de células diferentes para realizar cada uma das funções que o fígado veio a monopolizar: o processo parece subverter a direção habitual da evolução dos organismos, cuja pedra de toque é a especialização das funções. Dizer que a hexagonal célula hepática tem mil e uma utilidades não é mera força de expressão: cientistas consideram que certas tarefas por ela realizadas, como síntese de proteínas, são essenciais para outras atividades orgânicas, como a formação de tecidos.
Desdobrando esse raciocínio, a soma das funções alcança, com tranqüilidade, a casa do milhar.Muitos cientistas passam a vida estudando só uma função do fígado. Apesar de toda a versatilidade do órgão, falta-lhe um mecanismo capaz de organizar as prioridades em sua disputada agenda. Ao passarem pelo fígado, é como a se todas as substâncias, de toxinas a nutrientes, desejassem ocupar suas células por uns instantes.
Como na velha dança-das-cadeiras, onde quem não senta cai fora do jogo, às partículas que não encontram lugar disponível no fígado são expulsas na corrente do sangue, por uma veia larga, a centrolobular, que vai a direção, ao coração.As partículas rejeitadas fazem então uma longa volta por todo o organismo, até uma nova oportunidade, quando tornam ao fígado ou junto ao sangue oxigenado, que o irriga ou com o sangue carregado de substâncias do intestino, baço e do pâncreas. Nessa competição metabólica não basta chegar primeiro: a quantidade também conta. Quanto maior o número de moléculas de uma dada substância, maior a probabilidade de encontrarem pouso nas células hepáticas.
Dessa maneira, se a maioria das suas 50 bilhões de células, algo como 5 centésimo do total existente no corpo humano, está queimando moléculas de álcool em certo momento, o fígado pouco pode fazer se bater à sua porta, de repente, uma droga de efeito muito tóxicos. Isso explica por que algumas pessoas, sob efeito de bebidas alcoólicas, sofrem intoxicações às vezes fatais, até por medicamentos aos quais já estavam acostumados.
Contudo, é comum atribuir-se a essas sobrecargas uma série de sintomas que nada tem a ver com o fígado. Não é raro, por exemplo, ouvir alguém reclamando, por exemplo, ouvir alguém reclamando de dor de fígado, após uma refeição pesada. Não se pode negar a dor alheia, mas uma coisa é certa: é muito mais provável que a origem do mal-estar esteja em outro órgão do aparelho digestório.
O fígado pode até ter muito trabalho para quebrar as gorduras ingeridas, mas nunca reclama do serviço, ou seja, se reclama, reclama em silencio, pois nem sequer possui nervos para mandar ao cérebro a mensagem que produz a sensação dolorosa. É bem verdade que o fígado é recoberto por uma membrana, esta, sim, cheia de nervos. Contudo, só há dor em duas situações específicas: nas doenças graves em estágio avançado, nas quais, o fígado pode crescer até cinco vezes, ou nas infecções agudas em que uma hora para outra a glândula incha. Já nos casos de doenças que desenvolvem lentamente, como muitas hepatites crônicas, os nervos da dor se estendem aos poucos e não produzem sensação alguma.
Outra crendice é associar estados de embriaguez ou de ressaca ao fígado, quando na realidade os sintomas se devem aos efeitos do álcool sobre o cérebro e o restante do aparelho digestivo. Os tão procurados medicamentos à base de alcachofra fazem bem, não porque atuem sobre o fígado, como se imagina, mas porque facilita a digestão.É fato que tanto a bebida alcoólica como qualquer medicamento, maior ou menor grua, ao entrarem nas células hepáticas irritam a sua delicadíssima membrana. Se a agressão for crônica, as células irão degenerar, transformando-se num inútil tecido conjuntivo, semelhante a uma cicatriz: é a cirrose, um problema sem volta. Como diminui sua área de operação, o fígado acaba realizando, num ritmo mais lento, as suas atividades metabólicas.
O fígado normal produz, diariamente, cerca de 700 mililitros de bílis, um líquido de gosto amargo, esverdeada, cujas funções mais importantes são esmiuçar gorduras e eliminar parte da escória do metabolismo. A principal matéria prima para fabricar a bílis são as moléculas de colesterol que o fígado produz ou colhe no sangue a partir das gorduras ingeridas. Só para lembrar, a taxa normal de colesterol no sangue é de 70 à 110 mg/100 ml de sangue. Mas a sua típica cor ferruginosa é dada por uma proteína, a bilirrubina, que surge quando o próprio fígado, junto com o baço e a medula óssea, quebra os glóbulos vermelhos já envelhecidos. Alias, um sinal seguro de que algo está errado com o fígado é quando o organismo não consegue eliminar direito a bilirrubina.
Então, ela se acumula nos tecidos, deixando a pele e os olhos amarelados, sintomas que os médicos chamam de icterícia. Com exceção do açúcar, liberando de acordo com as necessidades orgânicas, o restante da produção do fígado não é feita sob encomenda. Assim, as células hepáticas vivem a seu gosto diversas proteínas, ao combinar os aminoácidos absorvidos na digestão. No entanto, ao há desperdício nesse jogo de armar, pois se alguma proteína voltar intacta ao fígado, após ter circulado pelo corpo em busca de quem a quisesse, as células hepáticas a desmontam e aproveitam o seu material outra vez.
Entre as proteínas mais importantes sintetizadas pelo fígado estão os fatores de coagulação do sangue, que são feitos com o auxílio da vitamina K. Isso significa que o mau funcionamento do fígado pode ser a razão do fato de um corte no dedo demorar a cicatrizar. É por isso que problemas hepáticos podem causar hemorragias. Além de tudo isto, também segundo estudos, na antiguidade, relacionava o fígado ao bom humor. Outra característica marcante do fígado é o seu poder de regeneração (prometeu).
Apesar de tantos avanços, a ciência ainda não encontrou medicamentos capazes de proteger as células hepáticas. Pelo menos é o que diz a medicina convencional, alopatia. Todos concordam que a melhor maneira de dar força ao fígado é trata-lo bem, evitando excesso de alimentos, doses extras de bebidas e a mania de tomar remédios por qualquer bobagem.
Fonte: Revista Super Interessante
Distribui energia, atende emergências, cuida do lixo, se regenera, faz mil coisas ao mesmo tempo e não reclama do serviço.
Saúde, em seguida a esse voto, o organismo é brindado com goles de um rico combustível misturado a um requintado veneno. Seja uma esportiva cerveja ou um doméstico licor da vovó, toda bebida alcoólica tem essas qualidades paradoxais. O bem só se separa do mal quando o álcool, junto com nutrientes absorvidos durante a digestão, escorrega no sangue, sendo sugado por uma esponja vermelha e escura, no lado direito do abdome. É ali, no fígado, a maior glândula do organismo com seus 8 a 10 centímetros de largura, que parte da bebida é queimada e transformada em energia, enquanto as sobras tóxicas são trituradas e eliminadas feito lixo. E isso é apenas o começo da conversa quando o assunto é fígado, um personagem muito comentado nas bocas que apreciam um trago, embora poucos saibam ao certo qual é seu papel na história.
É com certeza, um papel de primeira grandeza. Literalmente insubstituível, o fígado está no centro do espetáculo de uma série de processos, tanto que sem o órgão, retirado em uma cirurgia ou danificado por doença, não se sobrevive em média por cinco horas, para a agonia de cirurgiões que fazem transplantes, uma atividade de ponta na Medicina Moderna. Toda esta importância costuma ser ignorada e as pessoas, muitas vezes, cometem a ingratidão de retribuir a trabalho do órgão com críticas por eventos pelos quais nem sequer é responsável, como dor nas partes superior do abdome ou ressaca. Os próprios cientistas, embora não pervertem tais disparadas, admitem com candura que ainda têm muito a aprender a respeito dessa nobre víscera.
Já a fama e a glória vão habitualmente para os coadjuvantes: os rins, por exemplo, são consagrados por limparem o sangue, excretando uma substância chamada de uréia que leva embora uma série de moléculas nocivas. A uréia, na realidade, é fabricada pelo fígado, que também produz diariamente 100 gramas de proteínas, 90% do que o ser humano necessita para sobreviver. O fígado, ainda destrói os micróbios que eventualmente driblaram as células de defesa no intestino, possibilitando a absorção de certas substâncias; armazena substâncias; elimina glóbulos vermelhos envelhecidos; e –ufa, manda energia para todo o corpo. No feto, estoca nutrientes para o começo da vida.
Com aproximadamente 2 quilos que se acomodariam na palme de uma das mãos, sem forma muita definida, pois e deixa achatar ao mero contato com os vizinhos, como o rim direito, estômago, o fígado pode ser comparado a uma alfândega. Suas células, especialmente as que recobrem os vasos, agem efetivamente com fiscais aduaneiros: revistam a bagagem do sangue, para separar o que merece e o que não merece ter livre trânsito no organismo. Mas, mesmo que o álcool tenha recebido visto de entrada no organismo, nem sempre suas partículas devem se transformar em energia, algo que, às vezes, o organismo tem de sobra.
Neste caso, o fígado aproveita as partículas de álcool para construir redondas moléculas gordurosas, como uma espécie de previsão para eventuais períodos de jejum. Essa reserva para tempos de vacas magras fica estocada em depósitos situados, por exemplo, na altura da cintura, fenômeno que alguns freqüentadores de bar eventualmente observam no espelho. O processo pode durar até mais de 24 horas, pois, o álcool é metabolizado um pouco de cada vez, à medida que o sangue que o sangue atravessa o fígado, à velocidade de cerca de 2 litros por minuto. È bem verdade que um pouco de álcool que ficou para a próxima rodada, circulando pelo corpo até alcançar novamente a glândula, acaba sendo queimado em outras regiões.
Ainda quando isso ocorre, porém, o fígado não fica fora da operação. Afinal, é quem envia às células o combustível especial do foguete bioquímico. A entrega é feita ao gosto do consumidor, do modo que as células do organismo aceitam, ou seja, sob a forma de glicose, um açúcar solúvel em forma de água, que o fígado fabrica a partir de ingredientes diversos, como os carboidratos do macarrão, os glucídios do chocolate, a lactose do leite. No entanto, se esse trabalho se complica, ou porque a quantidade de bebida é grande ou porque o bebedor está se alimentando pouco, o fígado tenta contornar o problema, orientado pelos hormônios da glândula pancreática que regular os níveis de açúcar no sangue.
Assim, as insolúveis moléculas de glicogênio guardadas nas suas células são convertidas em glicose, como se os hormônios pancreáticos retirassem um alimento da geladeira para o consumo imediato. De fato, as células que formam o fígado armazenam uma série de substâncias para os casos de necessidades. Esse hábito preventivo se manifesta ainda no feto, quando a glândula começa a estocar, aproximadamente após o terceiro mês de gestação, algumas substâncias de que poderá precisar nos primeiros dias de vida, por não estarem presentes, ao menos em quantidade suficiente, no leite materno.
Eventualmente usado para metabolizar doses extras de bebida, o estoque de açúcar no fígado não duro muito, assegurando combustível apenas por um dia. O fígado, porém, ao pode deixar faltar energia ali onde é essencial, no coração e no cérebro, peças vitais na maquina humana.Por isso, para manter o organismo vivo, a vícera faz qualquer negócio: o recurso mais rápido é roubar proteínas dos músculos, desmontando suas moléculas, cujos componentes, carbono, oxigênio e hidrogênio, serão recombinados de acordo com a fórmula da glicose (C6H12O6).
Esse processo de auto-canibalismo ocorre também, quando se faz um regime drástico, sendo uma das causas de fraqueza que o acompanha.Outro recurso utilizado pelo fígado, quando o alarme dos hormônios pancreáticos denuncia a carência de glicose, é mobilizar gordura para fazer com suas moléculas algo semelhante ao que fez com as proteínas musculares. O mecanismo, aliás, é intuitivamente conhecido pelos cozinheiros desde a Idade Média, quando aparece na França o hábito de servir álcool aos gansos a fim de que seu fígado, amaciado pela gordura mobilizada, fique no ponto ideal para a elaboração do patê de foie grãs (fígado gordo).
Uma receita ainda mais antiga mandava o caminho inverso: encher a ave de comida e, de preferência, imobiliza-la para que a sobrecarga de energia crie depósitos gordurosos nas células hepáticos.Essa filtração de gordura facilita o aparecimento de diversas doenças. A ponte entre a Biologia e a gastronomia é sólida e duradoura: afinal a palavra fígado deriva do Latim ficatum, derivado por sua vez do grego fykotón, nutrido com figos, numa alusão às aves a que se dava esse fruto, para conferir um sabor especial ás pastas feitas com seu fígado.
Os romanos podiam entender de boa mesa, mas não eram propriamente doutores em fisiologia do aparelho digestivo. E o fígado permaneceu quase um ilustre desconhecido ao longo dos séculos. Apenas nos anos 60, por exemplo, descobriu-se que os milimétricos cilindros, os lóbulos, formados pelas células do fígado em torno dos vasos sanguíneos são as unidades independentes, ou seja; em caso de doença podem ser extraídos cirurgicamente, sem prejuízos dos lóbulos vizinhos.Até então, o desconhecimento dessa realidade representava um pesadelo para os médicos: freqüentemente os cortes provocavam hemorragias fatais aos pacientes.
Continuam nebulosos, porém, as razões pelas quais na história da vida na Terra o fígado surge apenas nos vertebrados, há cerca de 400 milhões de anos; a vícera é parecida em todos os espécimes, a do porco, porém, é mais semelhante ao fígado humano. Antes dos vertebrados, os seres vivos tinham grupos de células diferentes para realizar cada uma das funções que o fígado veio a monopolizar: o processo parece subverter a direção habitual da evolução dos organismos, cuja pedra de toque é a especialização das funções. Dizer que a hexagonal célula hepática tem mil e uma utilidades não é mera força de expressão: cientistas consideram que certas tarefas por ela realizadas, como síntese de proteínas, são essenciais para outras atividades orgânicas, como a formação de tecidos.
Desdobrando esse raciocínio, a soma das funções alcança, com tranqüilidade, a casa do milhar.Muitos cientistas passam a vida estudando só uma função do fígado. Apesar de toda a versatilidade do órgão, falta-lhe um mecanismo capaz de organizar as prioridades em sua disputada agenda. Ao passarem pelo fígado, é como a se todas as substâncias, de toxinas a nutrientes, desejassem ocupar suas células por uns instantes.
Como na velha dança-das-cadeiras, onde quem não senta cai fora do jogo, às partículas que não encontram lugar disponível no fígado são expulsas na corrente do sangue, por uma veia larga, a centrolobular, que vai a direção, ao coração.As partículas rejeitadas fazem então uma longa volta por todo o organismo, até uma nova oportunidade, quando tornam ao fígado ou junto ao sangue oxigenado, que o irriga ou com o sangue carregado de substâncias do intestino, baço e do pâncreas. Nessa competição metabólica não basta chegar primeiro: a quantidade também conta. Quanto maior o número de moléculas de uma dada substância, maior a probabilidade de encontrarem pouso nas células hepáticas.
Dessa maneira, se a maioria das suas 50 bilhões de células, algo como 5 centésimo do total existente no corpo humano, está queimando moléculas de álcool em certo momento, o fígado pouco pode fazer se bater à sua porta, de repente, uma droga de efeito muito tóxicos. Isso explica por que algumas pessoas, sob efeito de bebidas alcoólicas, sofrem intoxicações às vezes fatais, até por medicamentos aos quais já estavam acostumados.
Contudo, é comum atribuir-se a essas sobrecargas uma série de sintomas que nada tem a ver com o fígado. Não é raro, por exemplo, ouvir alguém reclamando, por exemplo, ouvir alguém reclamando de dor de fígado, após uma refeição pesada. Não se pode negar a dor alheia, mas uma coisa é certa: é muito mais provável que a origem do mal-estar esteja em outro órgão do aparelho digestório.
O fígado pode até ter muito trabalho para quebrar as gorduras ingeridas, mas nunca reclama do serviço, ou seja, se reclama, reclama em silencio, pois nem sequer possui nervos para mandar ao cérebro a mensagem que produz a sensação dolorosa. É bem verdade que o fígado é recoberto por uma membrana, esta, sim, cheia de nervos. Contudo, só há dor em duas situações específicas: nas doenças graves em estágio avançado, nas quais, o fígado pode crescer até cinco vezes, ou nas infecções agudas em que uma hora para outra a glândula incha. Já nos casos de doenças que desenvolvem lentamente, como muitas hepatites crônicas, os nervos da dor se estendem aos poucos e não produzem sensação alguma.
Outra crendice é associar estados de embriaguez ou de ressaca ao fígado, quando na realidade os sintomas se devem aos efeitos do álcool sobre o cérebro e o restante do aparelho digestivo. Os tão procurados medicamentos à base de alcachofra fazem bem, não porque atuem sobre o fígado, como se imagina, mas porque facilita a digestão.É fato que tanto a bebida alcoólica como qualquer medicamento, maior ou menor grua, ao entrarem nas células hepáticas irritam a sua delicadíssima membrana. Se a agressão for crônica, as células irão degenerar, transformando-se num inútil tecido conjuntivo, semelhante a uma cicatriz: é a cirrose, um problema sem volta. Como diminui sua área de operação, o fígado acaba realizando, num ritmo mais lento, as suas atividades metabólicas.
O fígado normal produz, diariamente, cerca de 700 mililitros de bílis, um líquido de gosto amargo, esverdeada, cujas funções mais importantes são esmiuçar gorduras e eliminar parte da escória do metabolismo. A principal matéria prima para fabricar a bílis são as moléculas de colesterol que o fígado produz ou colhe no sangue a partir das gorduras ingeridas. Só para lembrar, a taxa normal de colesterol no sangue é de 70 à 110 mg/100 ml de sangue. Mas a sua típica cor ferruginosa é dada por uma proteína, a bilirrubina, que surge quando o próprio fígado, junto com o baço e a medula óssea, quebra os glóbulos vermelhos já envelhecidos. Alias, um sinal seguro de que algo está errado com o fígado é quando o organismo não consegue eliminar direito a bilirrubina.
Então, ela se acumula nos tecidos, deixando a pele e os olhos amarelados, sintomas que os médicos chamam de icterícia. Com exceção do açúcar, liberando de acordo com as necessidades orgânicas, o restante da produção do fígado não é feita sob encomenda. Assim, as células hepáticas vivem a seu gosto diversas proteínas, ao combinar os aminoácidos absorvidos na digestão. No entanto, ao há desperdício nesse jogo de armar, pois se alguma proteína voltar intacta ao fígado, após ter circulado pelo corpo em busca de quem a quisesse, as células hepáticas a desmontam e aproveitam o seu material outra vez.
Entre as proteínas mais importantes sintetizadas pelo fígado estão os fatores de coagulação do sangue, que são feitos com o auxílio da vitamina K. Isso significa que o mau funcionamento do fígado pode ser a razão do fato de um corte no dedo demorar a cicatrizar. É por isso que problemas hepáticos podem causar hemorragias. Além de tudo isto, também segundo estudos, na antiguidade, relacionava o fígado ao bom humor. Outra característica marcante do fígado é o seu poder de regeneração (prometeu).
Apesar de tantos avanços, a ciência ainda não encontrou medicamentos capazes de proteger as células hepáticas. Pelo menos é o que diz a medicina convencional, alopatia. Todos concordam que a melhor maneira de dar força ao fígado é trata-lo bem, evitando excesso de alimentos, doses extras de bebidas e a mania de tomar remédios por qualquer bobagem.
Fonte: Revista Super Interessante
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